sábado, 31 de maio de 2008

Os caminhos de Niemeyer (Sebastião Nery - Tribuna da Imprensa)

O comandante da Escola Militar de Realengo, coronel Fiúza de Castro, e seu auxiliar, o capitão Menezes Cortes, resolveram homenagear o embaixador e o adido-militar da Alemanha com um almoço de gala, recebidos com honras militares, presentes todos os cadetes.

Depois do almoço, foram todos para um cineminha, que os cadetes chamavam de Milímetro. Apagaram-se as luzes e o capitão Menezes Cortes anunciou que iriam assistir a um documentário, sem legendas, falado em alemão. Era a invasão e anexação da Áustria pela Alemanha, em 1939.

Começava com "a entrada gloriosa das tropas nazistas em belíssima avenida de Viena, desfilando impecáveis ao ritmo de uma marcha militar, seu famoso passo de ganso e bandeiras desfraldadas com a cruz suástica".
Hitler no Brasil

De repente, no palanque, Hitler e seu bigodinho preto, discursando com seu alemão gutural de sotaque austríaco. Os cadetes explodiram numa vaia poderosa, seguida de assovios e gritos: "Fora, palhaço"! O filme foi interrompido, acenderam-se as luzes e falou o capitão Menezes Cortes:

"O comandante coronel Fiúza de Castro está decepcionado com o procedimento dos senhores. Manda avisar que quem tomou parte na vaia não será mais digno de usar o espadim de Caxias. Vamos descobrir quem começou essa molecagem. A luz vai apagar e o filme voltará a ser exibido".

Voltou. E, mal Hitler reapareceu, as vaias também voltaram ainda mais estrondosas. As luzes reacenderam, os cadetes foram abruptamente retirados, levados para o pátio da escola e postos virados para o sol, por mais de duas horas. E o capitão Menezes Cortes desfilando e ameaçando:

"Só sairão daqui quando soubermos quem começou a vaia".

Nunca souberam. Dedo-duro no Exército foi invenção do golpe de 64.
Langsdorf

Era 1940, a Segunda Guerra Mundial mal começava na América do Sul e os nazi-fascistas, como Fiúza de Castro e Menezes Cortes, já estavam pondo suas manguinhas de fora, comemorando a ocupação da Áustria e da Polônia em 39 e a invasão e ocupação de Paris em 14 de julho de 40.

O moderno encouraçado alemão Graf Spee já havia afundado alguns navios mercantes ingleses. Em dezembro de 39, derrotado na batalha naval de Punta del Este, seu comandante Langsdorf voltou para o oceano apenas com o chefe de máquinas e o explodiu a 14 quilômetros da costa. E vieram os afundamentos dos navios brasileiros, com 744 mortos e depois mais 293.
Tristão de Athayde

Em janeiro de 42, reuniram-se em Petrópolis os chanceleres americanos (menos Chile e Argentina), sob a presidência de Osvaldo Aranha, e romperam relações com as nações do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Em agosto, o Brasil declarou guerra aos três e começou a preparar a FAB.

Por que relembrar agora essa história? Porque é sempre atual a magnífica definição de história que nos deixou Tristão de Athayde:

- O passado não é o que passou. É o que ficou do que passou.

Relembrar a história é não deixar que ela se torne uma bolha de sabão. Contada, reiluminada, ela estará sempre aí, adubando o tempo.

Quarta-feira, na Galeria Ana Maria Niemeyer, na Gávea, Oscar Niemeyer, contemporâneo da eternidade, com sua incansável e luminosa lucidez, inaugurou mais uma de suas contribuições ao País: lançou o primeiro número da bela e densa revista "Nosso Caminho (Revista de Arquitetura, Arte e Cultura)", dirigida por ele e Vera Lucia Niemeyer, e seus permanentes companheiros Renato Guimarães, Ubirajara Brito, José Carlos Sussekind, Cecília Scharlach (Editora Viveiros de Castro, Rio).
Moreira Lima

Além dos sempre surpreendentes e primorosos projetos, desenhos e textos de Niemeyer ("O encontro das artes", "Não basta louvar"), artigos de José Luís Fiori ("O poder global no início do século XXI"), Ubirajara Brito ("A educação brasileira e o golpe de 64"), Ferreira Gullar ("Reinvenção da arte"), Luiz Alberto Oliveira ("O presente do futuro").

E mais: para surpresa minha, um depoimento histórico do bravo brigadeiro Rui Moreira Lima, juvenil aos 89 anos, dos raros sobreviventes do "Senta a Pua", o heróico grupo da FEB que combateu nos céus da Itália, contando como o nazi-fascismo se infiltrou nas nossas Forças Armadas. Ele era um dos cadetes que vaiaram Hitler no almoço ao adido militar alemão.
Fiúza de Castro

Os tempos caminham com os homens, mas o DNA da história não falha, não engana. Em 40, já lá estava o ainda coronel Fiúza de Castro puxando o saco dos nazistas. 14 anos depois, na madrugada de 23 de agosto de 54, ele, golpista, foi o primeiro a assinar o Manifesto à Nação dos 30 generais exigindo a renúncia de Getulio Vargas, encurralado por causa do nacionalismo, do monopólio estatal da Petrobrás, do salário mínimo.

Um ano depois, no golpe de 11 de novembro de 55 contra as posses de Juscelino e Jango, que acabavam de ser eleitos presidente e vice, ele foi a arma desfrutável de que lançou mão Carlos Luz para tentar derrubar o marechal Lott do Ministério da Guerra e impedir as posses de JK e Jango.
Menezes Cortes

O capitão Menezes Cortes de 40, outro nazi-fascista, que acabou terminal de ônibus, foi um turbulento e também golpista chefe de polícia de Café Filho em 55, deputado da UDN em 58. Levou um murro do general Amaury Kruel na chefia de polícia do Rio e morreu em desastre de avião.

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