domingo, 14 de dezembro de 2008

Os 40 anos do famigerado AI-5 (Helio Fernandes)

QUANDO COMEÇOU, QUEM O PATROCINOU, QUEM SE BENEFICIOU OU SE PREJUDICOU

13 de dezembro de 1968. Portanto exatamente há 40 anos. O Brasil acompanhava a turbulência do mundo. A inquietação era total. De Gaulle ganhava um voto de confiança do povo (plebiscito), mas garantira exaustivamente: "Se a votação não for favorável ao governo, renuncio e vou embora". Ganhou. No entanto, meses depois, já em 1969, mas como complemento desse 1968 terrível para todos, De Gaulle pedia um outro plebiscito, garantia da mesma forma que se perdesse renunciaria e iria embora.

Talvez até para conferir a sinceridade e a lealdade de De Gaulle, o povo votou contra ele. De Gaulle não teve um minuto de hesitação, renunciou, abandonou tudo e foi para a sua querida Colombey. Como já fora antes, numa prova de que não era o poder que ele almejava e sim a possibilidade de exercê-lo.

Esta introdução sobre a França, mostra que a crise não era brasileira. (Posso escrever um livro inteiro sobre 1968, contando coisas que jamais foram contadas.) Mas fiquemos hoje no episódico, embora igualmente importante. Estávamos dentro de um processo político complicado.

1964 fora uma geléia geral, os lados e os objetivos se conflitavam. Alguns acreditavam que os situacionistas não queriam a eleição presidencial de 1965, preparavam o que se chamou de República Sindicalista. Os que estavam no poder, massacravam duramente o governador da Guanabara, desprezavam ou não reconheciam a sua formidável capacidade de ação e de agitação.

O governador Carlos Lacerda, lutava também pelo poder, jogava tudo na realização da eleição. Já existiam vários candidatos lançados: Carlos Lacerda (escolhido pela convenção da UDN), Juscelino (que passara a faixa a Jânio, depois de 5 anos de governo, lançando sua própria candidatura para 1965), Magalhães Pinto (governador de Minas), Ademar de Barros (governador de São Paulo e dono do próprio partido, o PSP).

Do outro lado o mais forte era Leonel Brizola (tão forte na agitação quanto Carlos Lacerda), desconfiava-se que Jango não deixaria o poder, e que tentaria continuar sem eleição. E Miguel Arraes, com prestígio no Norte/Nordeste, mas inteiramente traído pela própria análise que fazia dos acontecimentos.

Não importa. Acabaram todos com o golpe de 1964. E nenhum deles sobreviveu, nem de um lado nem do outro, pois o poder ficou com Castelo Branco, que ainda não tinha entrado na História.

E pelo acordo assumido por todos os generais, Castelo Branco continuaria sem entrar na História. Pois o combinado é que o marechal Dutra ficaria no governo até 1965, apenas presidindo a eleição. Estava com mais de 80 anos, não poderia ter qualquer ambição. Mas a partir da vitória em 1964, Castelo enganou todo mundo, e imediatamente se lançou candidato.

Tomou o poder na raça, Costa e Silva que não era trouxa, viu que Castelo era irremovível, tratou de tomar posse no Ministério da Guerra.

E o general Cordeiro de Farias, o mais antigo, que chegara a general antes dos 40 anos (uma raridade e um fenômeno, já era general na FEB enquanto Castelo ainda era tenente-coronel e ainda por cima incompetente, basta ler os dois livros do marechal Lima Brainer, e a descrição do planejamento para o ataque a Monte Castelo, feito por Castelo Branco), que voltara do Paraná onde fora ajudar a vitória, não encontrou mais lugar.

Sua raiva era total, levou muito tempo para aceitar o Ministério do Interior. Que era fantástico em termos de administração, mas sem nenhum poder de fogo. Cordeiro, que já tinha sido secretário de Segurança todo-poderoso de São Paulo, membro da Coluna Prestes, interventor no Rio Grande do Sul, e governador eleito pelo voto direto em Pernambuco, viu logo que não seria presidente. Sabia que Castelo e Costa e Silva lutariam entre si, não sobraria para ninguém.

Na América do Sul, os generais que tomam o poder ficam num dilema. Ou escolhem um ministro da Guerra forte, que os tutelam e garantem, mas têm assegurada a sucessão, ou nomeiam um ministro da Guerra fraco, que não os garante mas também não os sucede. (Caso de Costa e Silva ao escolher Lira Tavares.)

Em 1968, havia uma reviravolta também nas Forças Armadas e principalmente no Exército. Embora as Forças Armadas precisem da hierarquia e da disciplina, a verdade é que naquele momento havia uma subversão interna. Os generais COMANDAVAM mas não lideravam. Os coronéis LIDERAVAM mas não COMANDAVAM.

E esse impasse, embora pareça contraditório, levou ao "golpe dentro do golpe", que foi o movimento de 1968. Ninguém presentia o que aconteceu, monstruoso demais. Assim como em 1964 Castelo surgiu do nada e superou todas as lideranças, em 1968 apareceu o AI-5, um Ato monstruoso, um filho bastardo que tinha vários pais. Entre eles, Gama e Silva, Passarinho, Orlando Geisel, como sempre ficou em cima o muro, abraçado com Golbery.

1968 foi uma conseqüência inevitável. Faltava apenas o motivo. Arranjaram um, baseado num discurso sem importância do então deputado Marcio Moreira Alves. 25 anos depois, em 1993, publicou um belo livro sobre 1968, emocionante. Sem ódios, sem ressentimentos, sem espírito de vingança, rigorosamente histórico. A descrição de sua saída do País, depois do 13 de dezembro de 1968, é antológica. O livro se chama "68 mudou o mundo", e é rigorosamente imperdível.

Minhas informações eram as mais pessimistas possíveis. Embora já tivesse sido cassado para não ser deputado, (na mesma eleição em que se elegeram Marcio Moreira Alves e Hermano também Alves, mas sem parentesco, a não ser o parentesco da bravura, da convicção e da competência) eu continuava escrevendo com o pseudônimo de João da Silva, nome de um pracinha que morreu na Itália. A hipocrisia nacional sabia que João da Silva era Helio Fernandes. Mas Castelo, Golbery, Geisel e outros, proibiram que eu escrevesse com meu nome, mas não perseguiam João da Silva.

Às 9,20 da noite de 13 de dezembro, vejo e ouço o AI-5 pela televisão. Nunca havia conhecido nada tão bárbaro, tão selvagem, tão cruel. Comecei a me vestir para voltar ao jornal. Rosinha me perguntou o que eu iria fazer, expliquei: "Serei preso imediatamente, tenho que tomar algumas providências no jornal. Quero ver se chego no jornal antes da polícia".

Quando já ia abrindo a porta da rua, Rosinha atende o telefone e me diz: "É o Carlos Lacerda, quer falar com você com urgência". Não podia deixar de falar com o Carlos, talvez fosse a única pessoa que eu atenderia naquele momento. Mas eu precisava chegar no jornal rapidamente. Atendi.

Carlos falou algumas coisas e finalmente me perguntou: "O que vai acontecer? Respondi: "Prisões em massa e mais cassações. O que não foi feito em 1964, será feito agora. É a verdadeira revolução."

Orgulhoso, Carlos Lacerda deixou para o fim a pergunta que motivara o telefonema. Perguntou apenas: "E eu?" Imediatamente respondi: "Ué, você vai ser preso e será cassado. Não pode sobrar nenhuma liderança, e você é a maior de todas". Lacerda gritou do outro lado, de uma forma emocionante: "Não serei preso nem serei cassado". Disse a ele que estava com pressa, não podia discutir.

Fui preso e levado para o Caetano de Farias, a grande prisão da Primeira República. Encontrei lá o Osvaldo Peralva, o único a ser preso antes de mim.

No dia seguinte, às 11 da manhã, chegava preso, Carlos Lacerda. Foi maldade que ele fosse para onde eu estava. Mas com grandeza, me abraçou, e disse: "Não faz mal, você adivinha sempre. Mas tome nota: não serei cassado de maneira alguma". Não respondi, gostava demais do Carlos.

Carlos Lacerda foi solto no dia 22. Eu passei o Natal e o Ano Novo na prisão. Já estava acostumado. Não concordei com nenhuma das condições impostas para ir passar o Natal em casa. Minha família foi passar comigo no quartel.

No dia 30 de dezembro, ainda de 1968, Carlos Lacerda foi cassado. Contra os meus conselhos e advertências, viajou para a Europa no dia 2 de janeiro. Não voltou mais. Teve a generosidade de ir se despedir de mim no Caetano de Farias.

PS - 40 anos não é um longo tempo, mas guarda uma longa história. Um dia contarei. De preferência em livro, um dos vários livros que sei que estou devendo. Editores me pedem. Muitos amigos me cobram. Não como biografia, pois ainda não acabei de viver, mas como narração, constatação, revelação.
A ditadura popular?

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