terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Ainda o famigerado AI-5 (Helio Fernandes)

LACERDA E BRIZOLA NÃO PUDERAM TENTAR A PRESIDÊNCIA POR CAUSA DA PRORROGAÇÃO
Esse inacreditável AI-5, (que ainda não foi contado devidamente) fiquemos nos dias que precederam a sua "decretação". Deixemos as causas e as conseqüências, os efeitos, a violência inacreditável, a abrangência, a redação que permitia tudo, mesmo o que não estava no texto.

1964 foi um golpe atípico, mas manteve as razões dos golpes: insatisfação com quem estava no Poder. Só que mantendo as características desses movimentos, não apenas no Brasil mas no mundo inteiro, há sempre um golpe e um contragolpe. A história brasileira está cheia dessas quarteladas. Os que vencem e se instalam no Poder, passam a se chamar de revolucionários. Os que perdem, são rotulados de "golpistas", perseguidos, acuados, massacrados, até que eles ou outros, não importa, derrubem os que estão no Poder.

No Brasil isso aconteceu muito. Logo na implantação da República, em 15 de novembro de 1889, os Propagandistas e os Abolicionistas foram afastados, assumiram os dois marechais das Alagoas. Não sabiam de nada, mas diziam que tinham as tropas. Quem poderia conferir?

Essa implantação mal resolvida levou à derrubada de Deodoro, ao domínio de Floriano, e num espaço de tempo mais longo, à Revolução de 30, que não foi Revolução coisa nenhuma. Foi uma bem articulada conspiração da "aristocracia paulista do café", ameaçada pela Depressão dos EUA.

Depois vieram os golpes e contragolpes de 1934, 1937, 1938, 1945, 1950, 1954, 1955, 1957, 1961, 1964, 1965, 1967, 1968, que é o que nos interessa hoje.

A série de datas e de golpes, tem uma exceção:
1935. Aí houve uma Revolução de verdade, Prestes queria mudar o regime, "comunizar" o País. Mas foi tão mal organizado, que essa pretensão da esquerda foi aproveitada por Vargas para consolidar a direita: implantação do Estado Novo em 1937.

***
Como já disse ontem, 1964 foi altamente confuso. Todos os governadores que pretendiam disputar eleição presidencial em 1965, não tiveram ampla visão dos fatos, foram devorados por eles. O homem que estava designado para assumir, num mandato tampão de pouco mais de 1 ano, era o Marechal Dutra. Poucos dias antes e logo depois do 31 de março/1º de abril, a casa de Dutra na rua Redentor vivia cheia. Mas assim que o golpe se consolidou, a casa de Dutra se esvaziou, ele não era o candidato dos que tomaram o Poder.

A volúpia daqueles dias foi alucinante. Chegaram ao Poder altamente divididos, os generais precisavam se consolidar. Primeira decisão: a ditadura não seria como a de Vargas, fixa com um ditador rotativo. Só um mandato para cada general, não haveria reeleição. O motivo era óbvio: a fila de generais era grande, todos queriam se beneficiar. Daí a divisão que se implantou, os generais eram muitos.

Segunda decisão: não poderia, haver eleição em 1965, como estava marcado. E como Castelo Branco garantiu a JK que faria. Mas como também não se consideravam fortes o suficiente para acabar com as eleições, engendraram a farsa da "prorrogação".

Carlos Lacerda chegou a Europa, não sabia de nada, me telefonou, fomos conversar no cineminha do Guanabara. Disse ao governador: "O golpe é contra a tua candidatura, ou você derruba essa prorrogação, que conseguirá com meia dúzia de telefonemas, ou estará liquidado". Consegui convencer Lacerda, combinamos que no dia seguinte ele faria um programa de televisão, denunciando essa provocação.

Só que entre a nossa conversa e o programa da televisão do dia seguinte, surgiu uma novidade mais importante do que este repórter: a presença no Rio, do doutor Julio Mesquita, de Armando Falcão e de Abreu Sodré. Os três "desconvenceram" Lacerda, disseram textualmente: "Se não houver a prorrogação haverá outro golpe".


Para a "perpetuidade" dos militares no Poder, nada foi mais importante do que a "prorrogação". Imaginada, planejada e concretizada pelo tenente-coronel Golbery, foi entregue ao marechal Castelo Branco. Este leu, gostou, disse apenas: "Genial". Carlos Lacerda não estava aqui (como disse) ficou mais fácil. Só que as forças políticas, mesmo assustadas, não queriam aceitar. Armando Falcão foi o coordenador de tudo no Congresso. (Os militares que estavam no Poder, e os oficiais da chamada linha dura não sabiam de nada, tateavam pelo caminho. Só uma pessoa acertou em cheio: Rafael de Almeida Magalhães. Formados os partidos, MDB e Arena, Carlos Lacerda ficou de fora, não entrou em nenhum.

Rafael, candidato a deputado federal, ia entrar na ARENA. Carlos Lacerda, num famoso jantar a 3, que durou 14 horas, tentou convencer Rafael a entrar no MDB. E Rafael, lúcido como sempre, brilhante, bem falante, respondeu: "Não vou entrar em nenhum MDB, vou para a ARENA. Isso que está aí vai durar 20 anos, não quero perder minha carreira". Foi a primeira vez que alguém falou no "tempo de duração da ditadura". Rafael acertou.)

Assim que vi chegarem o doutor Julio, Sodré e Falcão, peguei meu fusca fui embora, não houve o almoço com o governador. Desapareci, Carlos Lacerda só foi me encontrar por volta de 8 da noite, não tive saída, fui ver cinema com ele. O governador tentou explicar o que ouvira do doutor Julio Mesquita. (A maior influência que alguém já teve sobre ele.) Depois que o governador acabou, disse apenas duas coisas, ele ficou impressionado, mas já estava comprometido a não combater a "prorrogação".

1 - "Governador, não podemos ficar presos a esse temor de que virá um golpe. Se é para nos intimidar, enfrentemos logo as coisas."

2 - "Não vê que a prorrogação é contra você? Não percebe que mais 1 ano não é prorrogação, é apenas uma forma de ganhar tempo? Se era para prorrogar, poderiam dar mais 3 anos ao marechal, ficaria com os 5 dos outros presidentes." Isso era o óbvio, linear, indiscutível, só que o governador não podia mais recuar.

PS - Encurtando. Saí do Guanabara às 2 da manhã. O governador perguntou: "Você vai para aquele morro deserto? Vou mandar uma radiopatrulha atrás de vocês". Eu: "Ora, Carlos, moro lá em cima há anos, e não sou homem de ser seguido por radiopatrulha".

PS 2 - No dia seguinte publiquei um dos meus melhores artigos, que nem precisa ser lido, está todo no título: "CARLOS LACERDA, CANDIDATO INVENCÍVEL DE UMA ELEIÇÃO QUE NÃO VAI HAVER". Nem me orgulho da análise, era a coisa mais fácil de fazer. Não houve mesmo eleição e Carlos Lacerda nunca foi presidente. Morreu disso, com 63 anos de idade.

Com ares, clima e pretensão de verdade

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