sábado, 23 de abril de 2011

Memória Viva apresenta - O Cruzeiro - 15 de outubro de 1960

Discurso a um ausente
O Embaixador Assis Chateaubriand, amante dos contrastes, designou o jornalista David Nasser, da direção de O Cruzeiro, para saudar o Marechal Lott, no almôço que esta Revista oferecia ao candidato pessedista, e que, por motivo de saúde do homenageado, não se realizou. O discurso, porém, estava pronto. Ei-lo, na íntegra, como seria lido.

SENHOR Henrique Baptista Duffles Teixeira Lott, candidato à Presidência da República, hóspede desta casa que se abriu, não para receber os homens em luta, mas aquêles que, na luta eleitoral, buscam, principalmente, o fortalecimento da democracia.

Candidato Lott, pediu-me o Dr. Assis Chateaubriand, que é homem de partido, que o saudasse como a um hóspede de O Cruzeiro. Chateaubriand queria, assim, demonstrar sua fidelidade partidária e, ao mesmo tempo, pôr à prova a minha disciplina associada e a minha imparcialidade de jornalista. Êle sempre adorou essas terríveis experiências humanas.
- Mas, meu Capitão - disse-lhe eu, ontem, à noite - , não sou homem para discursos.
Êle me respondeu:
-Nem o Lott também.

E ACRESCENTOU, depois:
- Vocês terão um duelo equilibrado. Enquanto Lott faz a história com a sua espada de gendarme da ordem, você a escreve com a indisciplina que é filha natural da liberdade. Sei que nenhum dos dois é Cícero. Mas ambos podem fazer discursos apenas para serem publicados.

ACONTECE, Senhor Teixeira Lott, que, se é verdade que o não desejo julgar como candidato, em respeito à neutralidade que aquêle que faz a notícia deve guardar, principalmente quando está oferecendo um banquete a essa notícia, eu o posso julgar como homem, como cidadão e como seu contemporâneo.
CANDIDATO Lott, o seu antigo camarada Canrobert, quando cogitaram também do seu nome para um pleito presidencial, dizia que um civil pode ser, muitas vêzes, legítimo candidato militar e um militar, outras vêzes, é apenas um candidato civil. Desejo deixar, aqui, o meu testamento da linha imparcial que o senhor conservou no seu tempo de chefe do Exército, linha essa que o seu sucessor, Marechal Denys, manteve inalterável.
O EXÉRCITO não apenas se afastou das lutas políticas, mas possibilitou o livre exercício da democracia, através do debate. Isto fêz com que o Brasil se tornasse mais adulto, mais nação e nós, mais brasileiros.
O EXÉRCITO permitiu que o diálogo de hoje sucedesse ao monólogo de ontem. Hão de dizer que, se o General Lott tivesse cedido à ambição usurpadora, chocar-se-ia contra o obstáculo intransponível dos seus comandados.
OS céticos hão de dizer que o General Lott recusou um cetro que não estava a seu alcance, porque o amor da liberdade e da pátria empolgava o Exército Brasileiro, que se transformou completamente, que já não era daqueles Exércitos Políticos de baionetas voltadas para dentro das próprias fronteiras.
HÃO de dizer que o mérito do General Lott foi o de recusar o impossível, numa hora grave da nacionalidade. Mas - aqui fala o repórter de fatos - o impossível não era tão impossível assim. Havia uma dualidade de interpretações, tôdas elas rotuladas de democráticas. Maioria absoluta, eleição indireta etc. Bastaria a omissão do Exército para que da dúvida se passasse à ação. O Exército do General Lott, entretanto, considerou aquela luta civil como essencial à legalidade e não se ausentou. Manteve o texto da Lei. Garantiu a posse do eleito.
HÃO de dizer que, afastando a coroa da sua cabeça, num instante em que tinha ao alcance das suas mãos as liberdades do País e poderia, talvez, improvisar-se em ditador do mais legítimo sombrero latino-americano, o então General Lott fazia conjeturas, alimentava esperanças, acariciava sonhos e, neste sentido, preservava as liberdades democráticas de que iria utilizar-se depois para eleger-se como governante autêntico. Pensar nisso seria atribuir dons proféticos a alguém que, na infantaria política, sempre caminhou sôbre realidades às vêzes duras demais até para um infante de profissão.
O HOMEM que garantiu a aplicação da Lei, hoje se beneficia do direito de ser candidato. O Marechal do Exército é apenas o soldado raso do voto.
SABE que não corre sòzinho no pleito democrático, êle que o poderia ter feito isolado, na solução ditatorial.
SABE que as chances de vitória são iguais, na insondabilidade das urnas, no mistério do pleito, iguais às possibilidades dos outros.
A HOMENAGEM que presto ao cidadão Teixeira Lott é a de ter aceito a loteria do voto, a contingência eleitoral, talvez por estar certo, como todos nós, liberais democratas, que um govêrno sem contrários, um candidato sem concorrentes, seria o mesmo que um atleta disputando uma prova sem adversários, correndo sòzinho na arena, sem que a sua vitória pudesse ser valorizada pela emulação, engrandecida pelo maior esfôrço, estimulada pela competição.
O MARECHAL Lott despiu o seu velho dólmã, tirou as suas platinas, pôs um boné na cabeça, enrolou um xale no pescoço e veio molhar-se na chuva brasileira, veio disputar a vitória legítima, veio cair do palanque, veio fortalecer a democracia.
SE perder, saberá, como bom desportista, que o que mais valoriza o homem não é a vitória, mas a luta. Em nome do Senhor Assis Chateaubriand, desejo render a minha homenagem ao Marechal que compreendeu, num momento feliz desta Nação, que a energia é coisa completamente diversa da violência. Preferiu não ser um militar violento e ser um candidato enérgico. Êste é o juízo que faço de Teixeira Lott como homem. O juízo que vocês fazem dêle como candidato é assunto que só poderá ser decidido fora daqui, num momento em que o homem se torna mais sòzinho do que nunca ante uma decisão. Em frente à urna.
SEJA como fôr, seja quem fôr o eleito, nunca o Brasil presenciou uma festa democrática tão fascinante, um tal espetáculo de maturidade política. A presença do cidadão Teixeira Lott no proscênio, como vencedor ou vencido, é uma garantia de um fim feliz para a democracia.
VITORIOSO, êle saberá, todos nós estamos certos, conservar intacta a pureza dessa hóstia política, que é o voto, da qual emana o culto democrático.
VENCIDO, a sua atitude, como civil, será a daquele mesmo militar que se curvou noutros tempos à decisão soberana da Lei.
O EMBAIXADOR Assis Chateaubriand me pediu que, ao saudá-lo como hóspede desta casa, como a um dos cidadãos cuja presença engrandece qualquer pleito, fizesse, aqui, algo que fôsse assim como a profissão de fé dos Diários Associados. Algo que pudesse falar de nossas lutas pelo direito de cada um e pela dignidade de todos os sêres humanos, ameaçados pelas doutrinas de opressão e de aniquilamento dos valores morais políticos e econômicos.
ÊLE me pediu que lhe dissesse, francamente, que acredita que o eleito não o será com promessas atribuídas ao candidato, se essas promessas afetam as nossas tradições e põem em perigo os nossos destinos.
ÊLE sabe que a mesma espada, cuja lâmina afiada ajudou a manter a legalidade, garantirá o regime contra as interferências que procurem afastar-nos do destino americano. Sabe que estamos voando em uma avião continental e que voamos juntos ou caímos juntos.
ÊLE sabe que o Senhor Teixeira Lott é, acima de tudo, um cristão, um católico, e que, de acôrdo com as Escrituras, a Igreja tem ensinado a doutrina do direito natural, na idéia básica de que a lei justa deve corresponder ao justo direito de todos, uma vez que os indivíduos são titulares de direitos morais. Abdicar dêsses direitos não seria apenas pôr em risco a segurança nacional, mas a própria unidade da espécie humana. A palavra de ordem é manter a unidade continental a todo custo. As veteranas legiões romanas só eram invencíveis diante do valor indisciplinado das outras nações. Em nossos meridianos políticos, as fraturas partidárias, as dissensões internas, os desentendimentos continentais abrirão caminho fácil aos romanos de hoje, que, em vez de civilização, trazem a destruição de tôdas as liberdades essenciais.
A ONDE vais tu, esbelto infante?
Cidadão Lott, há uma constante tão singular na sua vida que vale mais do que a aparência dêsses estranhos frutos híbridos das maquinações políticas. Não importa saber com quem o Senhor esteja hoje nem quem estará ao seu lado amanhã, se eleito. Estamos certos de que não poderá estar contra o Brasil, êste País que a sua espada não permitiu, um dia, que fôsse transformado numa hospedaria de políticos fracassados, dêsses que só encontram na tirania militar a derradeira possibilidade de, por tabela, se conservarem no poder.

SEJA bem-vindo a esta casa, que é uma estalagem nacional, onde o arroz e o feijão diários são substituídos, esporàdicamente, nestes banquetes políticos, pelo caviar e pela vodka, apenas para lembrar aos candidatos que estas são as comidas e as bebidas que os oprimidos exportam, mas não comem nem bebem, porque é com os produtos destas divisas que êles nos pretendem comer e nos beber, suculentamente.
TEMOS a certeza, Senhor Teixeira Lott, que o Brasil jamais poderá resgatar a dívida de gratidão que contraiu com o Senhor, no dia em que, castigando a natureza, se tornou candidato. A sua mesma natureza, que não é autoflagelante, assegura o princípio, o meio e o fim da eleição de 3 de outubro. Mas, acima de tudo, assegura que haverá um vencedor. Para que não saia vencida esta Pátria que o Senhor como soldado, como marechal e como candidato está ajudando a se transformar em uma nação.

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