domingo, 18 de abril de 2010

‘Com Dilma ou Serra, a defesa não muda’, diz Jobim


Lula Marques/Folha
Titular da pasta da Defesa, Nelson Jobim é, hoje, uma espécie de ministro anfíbio. Deve subordinação a Lula. Mas mantém relações estreitas com a oposição.



Sob FHC, serviu como ministro da Justiça. É padrinho de casamento de José Serra, o rival de Dilma Rousseff na corrida presidencial.



Graças a esse, digamos, ecletismo político, Jobim não hesita em afirmar: vença Serra ou Dilma, a política de Defesa que põe em prática será mantida.



O ministro falou ao repórter Eumano Silva. A conversa foi às páginas da última edição de Época. Vão abaixo alguns trechos:





– Como vai ficar a defesa nacional do Brasil no futuro?
Os políticos e os governos civis viam a defesa com certa distância. Na época da Constituinte, a defesa se confundia com repressão política. Com isso, militares tinham de tomar certas decisões que, a rigor, eram decisões de governo civil. Exemplo: quais as hipóteses de emprego [das Forças Armadas] que politicamente interessam ao país? Isso é um misto de política internacional com defesa. Cabe ao poder civil definir o que os militares devem fazer em termos de defesa. Os militares decidem a parte operacional.

– Isso aconteceu no governo Lula?
Tudo é um processo. Não acontece assim, bum! Começou no governo Fernando Henrique, com a criação do Ministério da Defesa, em 1999, nas condições possíveis naquele momento. No governo Lula, avançou-se um pouco no início. [...] Quando assumi, decidi que precisávamos realizar uma mudança de concepção para dar mais musculatura ao Ministério da Defesa.

– Como assim?
O orçamento, por exemplo. Antes, as Forças [Marinha, Exército e Aeronáutica] se acertavam entre si dentro do limite fixado pelo Ministério do Planejamento. O ministro [da Defesa] não tinha participação. Também foi aprovado na Câmara o projeto de alteração da Lei Complementar nº 97. O Estado-Maior de Defesa passa a ser o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas. Será chefiado por um oficial de quatro estrelas escolhido pelo presidente, indicado pelo ministro da Defesa. Vai ter a mesma precedência dos comandantes de Força [...].

– São planos de longo prazo?
Ah, uns 20 anos...

– O senhor, então, não espera grandes mudanças se o próximo presidente for Dilma Rousseff ou José Serra?
Eu não espero.

– A Defesa está acima das questões políticas?
Tudo que estou falando foi discutido com todos os partidos. Fiz reuniões com o PT, o PMDB e com o DEM. Fui ao Instituto Fernando Henrique Cardoso [...].

– Não há ideologia nessa área?
[...] Não é um programa do governo. É um programa do Estado.

– O que, de fato, interessa ao Brasil em termos de defesa?
O Brasil não é um país com pretensões territoriais, não vamos atacar ninguém. Então, devemos ter um poder dissuasório. Temos três coisas fundamentais. Uma é energia, que tem o pré-sal e também energia alternativa, energia limpa, entre elas a energia nuclear. Segundo, o Brasil tem as maiores reservas de água potável do mundo: a Amazônia e o Aquífero Guarani. E, terceiro, temos a maior produção de grãos. São coisas que, progressivamente, o mundo vai demandar mais.

– Na América do Sul, quais são as maiores preocupações?
A estabilidade política e econômica. [...] Quando o Brasil paga mais pelo excedente de energia elétrica do Paraguai, ajuda a criar condições para que o Paraguai se estabilize. Um país que tem a dimensão do nosso não pode botar o pé em cima dos outros.

– Qual é sua opinião sobre a relação do Brasil com a Venezuela?
É boa. A Venezuela viveu sempre do óleo. A elite se apropriou dessa riqueza e não investiu no país. Ficou um conjunto de pessoas muito pobres. Aí, surgiu o presidente Hugo Chávez, que lidera esse setor. Está conseguindo avançar. Agora, o Chávez é um homem, digamos, de uma retórica forte. Isso não atrapalha. Faz parte do hispano-americano. É preciso ter paciência. Boa sorte à Venezuela.

– E com os EUA?
Estamos muito bem. Com a vitória do presidente Obama, mudou muito. Concluímos um acordo de defesa para criar novas perspectivas de cooperação bilateral. Vai nos permitir, por exemplo, vender aviões da Embraer para eles sem licitação.

– O Irã é o maior ponto de divergência entre Brasil e EUA? A posição do presidente Obama não é nesse sentido. Há setores nos EUA, principalmente no governo Bush, que demonizam o islã. O islã é pacífico. A posição do Brasil é assegurar a legitimidade do enriquecimento do urânio para fins pacíficos. Nós temos tecnologia para isso e temos urânio. Ainda precisamos completar a parte industrial.

– Quais são os interesses do Brasil na área de defesa em Israel? Temos interesses em Veículos Aéreos Não Tripulados, os Vatns, para fazer monitoramento. Algumas empresas israelenses produzem. Estou examinando a possibilidade de produzirmos no Brasil, com uma empresa brasileira associada a uma israelense.

– E a compra dos caças para a FAB, quando se resolve?
Pretendo terminar em abril uma exposição de motivos para o presidente, com uma opção. O presidente convoca o Conselho de Defesa Nacional, que emite um parecer e, aí, o presidente decide.

– O sr, foi nomeado para resolver o caos aéreo. A missão foi cumprida?
Vou falar o que fizemos. A primeira medida foi substituir a direção da Infraero, despartidarizar. Formulamos a Política Nacional de Aviação Civil. Ela foi aprovada. Pretendemos oferecer um tratamento diferente para a aviação regional. Vamos enviar um projeto de lei ao Congresso. Em 2005, instituímos liberdade de rota e liberdade tarifária. Esse sistema funciona para a aviação doméstica, mas não para a regional, que precisa de estímulos. Vamos investir nos aeroportos regionais.

– Os aeroportos estarão preparados para as Olimpíadas do Rio em 2016?
Sim. Tem um calendário da Infraero para as obras necessárias. Temos um crescimento anual médio de 10% na aviação civil. Na Copa do Mundo, terá um aumento de 2% em dois meses. Mas nossa preocupação não é só com a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Tem muito mais gente viajando, os preços caíram. Em 2002, o quilômetro voado custava R$ 0,71. Em 2009, custa R$ 0,49.

– E em relação aos passageiros?
Incentivamos uma resolução da Anac [Agência Nacional de Aviação Civil] sobre a responsabilidade das empresas em relação a atrasos, overbooking. É o que a Anac podia fazer dentro da legislação. Paralelamente, nós mandamos para o Congresso um projeto que cria um dever de indenização por parte das empresas se os atrasos forem devidos a qualquer agente. Se o atraso for decorrente da Infraero, a empresa se ressarce do que entregou ao passageiro.

– E se for culpa da meteorologia?
Nesse caso, não tem ressarcimento.

– Dá trabalho ser ministro da Defesa?
Na época das demissões da Infraero, recebi críticas de amigos meus porque eu demiti pessoas indicadas por eles. Fiz exatamente o que eu precisava fazer. Como não sou candidato a coisa nenhuma e sempre gostei de confusão, não teve problema.

Escrito por Josias de Souza às 04h39